domingo, 15 de abril de 2012

Casa das Máquinas, de Alexandre Guarnieri



Artigo publicado em http://www.desenredos.com.br/bloco_de_notas_158.html


Antes de ir ao que interessa, o texto, é importante parabenizar o poeta pela beleza ‘estética’ deste livro. Sua apresentação é de uma organização que encontrei poucas vezes, num excelente diálogo entre o título do livro, sua estrutura e seus poemas. Saber que o poeta é também o idealizador deste projeto (gráfico), que o integra como uma bela peça, como que já anuncia que o trabalho a seguir é fruto de uma engenharia refinada e pensada nos mais mínimos (também não gosto, mas é necessária a redundância) detalhes. Se o principal fosse menor, a primeira impressão já advogaria para engrandecê-lo. Eu sei, você sabe (e o Mauro Santayana também), vivemos a era da embalagem.

Aproveito o grande preâmbulo (quem perambular – eu sei, eu sei – por aqui, já percebeu que me agradam as digressões), para dar a desculpa de praxe. A produção de um livro com o título deste e a primeira impressão que me causou fizeram que eu ficasse com a habitual preocupação de que lê-lo rapidamente seria o erro rotineiro (eu sei, eu sei) de quem não sabe degustar um trabalho detalhista. Os tempos, porém, estão mais mesquinhos na modernidade e justificam a leviandade com que os críticos se dedicam atualmente para fazer suas conjecturações rápidas. Peço, portanto, desculpas, certo de que relíquias me escaparão.

O sumário já é um quebra-cabeça que solicita atenção – já é a máquina, já é o poema. Fala de uma contagem (?) na primeira parte (mecanophrenya) e obriga o resenhista inculto a ir ao google, tão inculto quanto neste assunto. Pensei em “latim”, na antiguidade dessa engrenagem (a palavra), talvez uma pequena olhada nos radicais, mas... Sigamos em frente. Não é bom que tudo se dê, prontamente. Também uma presença numérica parece apontar para uma montagem... 

A simpática segunda parte (?) tem o belo nome de “alameda da indústria” e o primeiro “poema” aceita a presença dos números para corrigir uma deficiência de uma possível máquina de datilografia – que inclusive se apresenta no último poema da primeira parte, que é também “um”.

A terceira, “Urbi et Orbitron”, tem um poema que salta, por seu nome, aos olhos: “guerra civil” – interessantíssimo título para um poema. O google socorre o meu latim e faz referência à cidade e ao mundo. A quarta, “a anima da máquina [...]”, oferece uma noção dos recursos linguísticos (som, sentido, intelecto) de que dispõe o poeta Alexandre Guarnieri.

É uma excelente carta de visitas, não!!?

Ligada.

***

O livro apresenta uma maturidade raríssima nos tempos atuais, onde poetas nascem e publicam quase que simultaneamente, onde, sabemos, tudo quer ser arte e todos se sentem capazes de arte, sobretudo da poesia, sobretudo, mais uma vez, de uma tal poesia instantânea. Alexandre Guarnieri vai na direção oposta a essa onda e, já na presença de João Cabral de Melo Neto, abrindo os trabalhos, está totalmente de acordo com a construção milimétrica do livro – trabalho de um engenheiro, para ficar na máquina; de um ourives, para juntar a máquina e a poesia. João Cabral, ao contrário do que fazem os marinheiros apaixonados por si mesmos, não está aqui para ajudar a vender o livro. Está aqui para ser justamente homenageado e lembrado como o poeta da máquina-pedra.

Enquanto lia o livro, ia sentindo falta de um outro nome (nosso). Bem, mantendo a coerência, o nome de Ferreira Gullar surge no último “caderno” do livro. Perfeito.

A luta para fugir ao patético levou nossos poetas ao radicalismo concreto e seu hábito do silêncio da palavra levada ao seu aspecto mais vazio, ou seja, destituída de seu vínculo exterior, de seu significado – os estetas me contestarão dizendo que, ao contrário, ela, desprovida assim, atingiria a plenitude de ter qualquer sentido. O texto é melhor do que o fato. Pois bem, durante quase metade do livro, Alexandre Guarnieri nos apresenta sua capacidade de ficar fora dos assuntos patéticos (e é evidente, afinal a “máquina é sem lágrima”), tão queridos aos poetas. Não o vemos amando, sofrendo solidões (talvez, alguma solidão metafísica, aquela que sujeita também a máquina... talvez). Seu exercício é descritivo e, com isso, a busca por enriquecer o objeto observado – e o fato de consegui-lo tantas vezes me impressiona.

Quase o vejo estudando a máquina X (que tal a nave máquina de escrever?) e elaborar as metáforas que podem vincular seu funcionamento e sua falência ao funcionamento e à falência do homem. Quase o vejo apertando o verso para encaixá-lo, impondo (excessivamente) os efeitos sonoros de aliteração, assonância etc. Ocorre que o poeta antipatético não comove e, penso que, talvez, para um público que busca a emoção fácil, a sua poesia não encontre os devidos aplausos. Daí, chegar àquela tolice que certa vez ouvi, é um passo: Alexandre Guarnieri é um poeta para poetas, sobretudo, os poetas doutrinadores da forma – daí, a reclamação que lhe fizeram de não impor ao seu poema rigoroso o rigor do soneto. O poeta antipatético é um disciplinado.

É também um virtuose das imagens e alcança momentos de genialidade (sim, eu sei que essa palavra está um tanto vilipendiada), mas, também arrisca entediar o leitor em longas sequências de metáforas. É um risco, mas creio que o saldo é positivo, com sobras.

Quando o poeta assume um discurso (ou seria um panfleto comunista), abandonando rapidamente o antipatetismo, a poesia decai e recuperar-se novamente nos poemas finais, aonde o tema da falência (e o falecimento) retorna.

A verdade é que é um belo livro, de grandes poemas e bela poesia. Sim, ligou, respondendo a pergunta indireta do interruptor (veja, quantas conexões nessa engrenagem – grata palavra – estão aqui). Queria citar os poemas, entretanto, o problema é que, nesse tipo de literatura, parece, que cada poema tem uma joia – quando, mais raro, não é ele todo a perfeição – e por estarem conectados ficam “juntos, disfarçando um a fraqueza do outro, caso ocorra, rara, falha inexplicável”. E quando o poema (rosqueado) todo não fica – considerem a caducidade do resenhista –, ficam as “letras crespas, sem cosméticos”.

Gosto de pensar esse poema (que é o livro todo, pois o poeta nos orienta a entender o projeto como um todo) se realizando da seguinte forma: a pequena peça (que tal um interruptor?), os outros elementos até a máquina grande (a casa das máquinas), a indústria (ou outra casa das máquinas), e se amplia para a cidade (outra, que vai para as suas zonas). No meio disso, há um animal-máquina que funciona tal o ponteiro de relógio e que se encaminha para a sua extinção. Porém, a sua extinção (do animal-máquina, da máquina, da indústria, enfim, de tudo) não é o termino, pois, evidentemente o leitor já percebeu, uma máquina maior, caótica (tudo o que não organizamos), prossegue funcionando...

Uma análise poema a poema seria interessantíssima! Tentei-a. Mas, o tempo é mesquinho. Porém, ainda achando um pecado (visto a unidade citada), creio que “Cosmogonia sonora da indústria” pode dar ao leitor uma ideia dos recursos do poeta Alexandre Guarnieri. Tomo a liberdade de transcrevê-lo.


cosmogonia sonora da indústria


são trompas de foguete incendiando o expediente,
o som do reator. Reproduzir sua sucessão de
estrondos, dos mais indômitos, o imbróglio por
sobre o qual se arvora sua trilha sonora, exigiria o
colossal esforço sinfônico, uma orquestra montada
com instrumentos de sucatas monumentais,
a tuba da mais absurda largura, um quilômetro
de carrilhão de sinos, o tímpano no tamanho
de um comboio ferroviário; na hierarquia de
tal regência irreal, emprestada da mitologia,
Thor, o deus da solda, o mais sério funcionário de
Hefestos, ferreiro épico do núcleo terrestre e
chefe da metalurgia telúrica; manejam centelhas
nas fornalhas da caldeira do planeta, liberando,
pouco a pouco, o combustível que sustém, prisio-
neiro, um incêndio de milênios; Hermes ou Mercúrio
(patrono da indústria) trabalha bem atrás, último
na tuba; um nos tímpanos, outro nos sinos, e todos
na funilaria  de  uma  poderosa  conjunção de metais;
de  suas fidalguias de sangue e trovões escorrem
folhas de flandres; vê o som do reator tem o peso
ensurdecedor deste enérgico conjunto de martelos.


***

Claro que um livro com o nome de “casa das máquinas” não pretenderia isso (eu sei, eu sei, alguns dirão “justamente o contrário”), mas seria bom ver o poeta Alexandre Guarnieri, com todos os seus recursos, trabalhando dentro da temática patética e mantendo-se antipatético. Eis o desafio.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012



Relato de un náufrago
Gabriel García Márquez
Editorial Sudamericana

Bueno, parece que todos los libros de García Márquez venieron parar en mi mesa. Y, lo mejor, en español. Así que no resta otra cosa a hacer a no ser leerlos.

Este libro es muy simple y todavía no sé si es literatura. Tal vez, cuando nosotros olvidemos (o entendamos – es lo mismo) la cuestión de la realidad y de la fantasía (el relato y el literario), tal vez lo creíamos Literatura. Aún así, es un buen libro y nos deja un mensaje (otra vez) de modestia de nuestros maestros.

No ha algo que yo puede decir sobre este libro. Su mérito servirá más bien a las disciplina de historia, política y filosofía – otras tal vez que no me acorde ahora. Por lo tanto, transcribiré parte del prefacio hecho por García Márquez.

“La historia de esta historia

El 28 de febrero de 1955 se conoció la noticia de que ocho miembros de la tripulación del destructor “Caldas”, de la marina de guerra de Colombia, habían caído al agua y desaparecido a causa de una tormenta en el mar Caribe. La nave viajaba desde Mobile, Estados Unidos, donde había sido sometida a reparaciones, hacia el puerto colombiano de Cartagena, a donde llegó sin retraso dos horas después de la tragedia. La búsqueda de los náufragos se inició de inmediato, con la colaboración de las fuerzas norteamericanas del Canal de Panamá, que hacen oficios de control militar y otras obras de caridad en el sur del Caribe.
(…)
Una semana más tarde, sin embargo, uno de ellos apareció moribundo en una playa desierta del norte de Colombia, después de permanecer diez días sin comer ni beber en una balsa a la deriva. Se llamaba Luis Alejandro Velasco.
(…)
Mi primera sorpresa fue que aquel muchacho de 20 años, macizo, con más cara de trompetista que de héroe de la patria, tenía un instinto excepcional del arte de narrar, una capacidad de síntesis y una memoria asombrosas, y bastante dignidad silvestre como para sonreírse de su propio heroísmo. (…) Era tan minucioso y apasionante, que mi único problema literario sería conseguir que el lector lo creyera.
(…)
Yo no había vuelto a leer este relato desde hace quince años. Me parece bastante digno para ser publicado, pero no acabo de comprender la utilidad de su publicación. Me deprime la idea de que a los editores no les interese tanto el mérito del texto como el nombre con que está firmado, que muy a mi pesar es el mismo de un escritor de moda.”

Bueno, los grifos son míos. García Márquez es el escritor “de moda”. Importa decir que, después de la publicación de este libro, el periodista tuvo que salir de su país y el náufrago volvió a su vida en el olvido. Importa decir que el gobierno ententó hacer la historia fuera obra de la criatividad de escritor.

Para terminar:

“La segunda sorpresa, que fue la mejor, la tuve al cuarto día de trabajo, cuando le pedí a Luis Alejandro Velasco que me descubriera la tormenta que ocasionó el desastre. Consciente de que la declaración valía su peso en oro, me replicó, con una sonrisa: “Es que no había tormenta”.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012



O livro de areia (1975)
Jorge Luís Borges
Obras Completas III, Editora Globo.

Então, é importante colocar as coisas no seu devido lugar, uma vez que as pessoas que um dia, por ventura, leiam meus textos, encontrarão em Borges uma afiliação inegável. Dito isso, já que o adotei como um dos meus maiores (no sentido familiar que os espanhóis dão a essa expressão), é justo agradecer a Mariel Reis por tê-lo me apresentado, ali nos corredores do Centro Cultural Banco do Brasil, e a Diomar Oliveira por ter me emprestado livros inesquecíveis e “indevolvíveis”. Ambos já me perdoaram a incapacidade de compensá-los com algo do mesmo tamanho.

Conheci o “O livro de areia” nos tempos do “Conversando Literaturas”, encontro da época da faculdade, que para mim foi tardia. Nele, encontrei um dos meus motes preferidos (O outro*) que daria em tantos textos, como “O encontro marcado”, e, claro, o primeiro conto de temática amorosa – soube, depois no epílogo, pelo próprio autor, que foi o único, tão avesso ao patético em literatura.

Borges atingiu, creio, a bela capacidade de não fazer textos ruins. Se, por acaso, devido à automática comparação, base de todo refinamento, quando pensamos em sua arte, surgem imediatamente os seus badalados “Ficções” e “Aleph”, não há como não considerar relevantes livros como “Os jardins das veredas que se bifurcam”, o famoso “História universal da infâmia” e este livro de areia – deixo sem as aspas para permitir a ambiguidade.

Não é necessário repetir a ladainha sobre a sua erudição e, apesar disso, da sua modestíssima opinião sobre si mesmo – modéstia tão legítima que aponta “seus maiores” no epílogo – sempre – preciso (e precioso) do livro. Sua erudição transforma, de certa forma, vários contos em um verdadeiro xadrez e o leitor, ainda que enriquecido, fica com a sensação de que perde um pouco as jogadas. 


Vejamos.

***

É assim no encontro dos dois Borges (O outro), um que sonha no sono e o outro que sonha acordado. A ideia do banco que existe em dois tempos é a perfeição da astúcia do artista. Perfeito. 8

Ulrica é um presente, talvez mais fruto do intelecto do que da criatividade (e eis que deixo a você entender o que eu digo), o que faz desse conto excelente – a conquista amorosa se dá no encaixe de senhas que vão produzindo o encantamento; na verdade, é assim em todos os casos –, o que faz desse conto um pouco menos surpreendente que o anterior (e me faz pensar que a intuição é maior que o intelecto). 8

O congresso é a continuação de uma ideia borgeana já conhecida de seus leitores. O congresso do mundo é o próprio mundo. A busca por um arquétipo de cada ser é o próprio ser que está em todos os seres – de modo que apenas um ou então somente todos bastam. Evidente que a presença da biblioteca – e da literatura como possibilidade de armazenamento da “humanidade” – é representação do autor de sua predileção pelos livros a qualquer outra criação humana. 6

There are more things e “A seita dos trinta” são artefatos da astúcia – da intelectualidade do escritor –, porém que não me pareceu tão atraente, sobretudo quando comparado aos dois primeiros. 5

A noite dos dons é uma boa história com um desfecho digno da sabedoria tão propalada quando falamos de Borges. Interessante também o nome da índia: Cautiva. Não é, pelo menos pelo que conhecido, comum a Borges a utilização dos nomes das personagens como sinais. 6

O espelho e a máscara retoma a ideia da busca de um poema perfeito. Acho interessante sinalizar para o fato de que o poema perfeito (digamos, academicamente) é inferior ao poema imperfeito. Com esse conto – como em outros, é óbvio – algo se aprende. 7

Undr trabalha temática próxima ao conto anterior, que seria o poema (que pode ser de uma palavra só) inalcançável. O poema que poderia ser o verdadeiro nome de deus. Interessante enquanto ideia, bem escrito (óbvio), entretanto, me parece que o resultado é menor do que a ideia (provavelmente é assim em tudo). 6

A utopia de um homem que está cansando, embora o título me desagrade, me pareceu interessante, pois esse homem (o próprio Borges?) fala “frases enormes” (axiomas, máximas) e diz em certa parte “Certamente. Restam-nos apenas citações. A língua é um sistema de citações.”. Isso me faz lembrar livros e autores de certa forma idolatrados por escrever de forma proverbial (Nietzsche e os livros religiosos). Esse tipo de preferência me assusta pela capacidade de aproximação do texto com a fantasia e vice-versa. Pensarei mais sobre isso, um dia.

Há ainda a questão do esquecimento. 7

O suborno é interessantíssimo e me fez novamente pensar em um jogo de xadrez. Excelente. 8

Avelindo Arredondo é um conto muito bom. O último parágrafo é um fechamento com chave de ouro (desculpem o clichê). 8

O disco é interessante e me fez pensar que poderia fazer parte do “História universal da infâmia”. Para além da história, há o aspecto interessante da 4ª dimensão. 7

O livro de areia só pelo título já é um espetáculo de poesia. A história não lhe diminui. 8

O epílogo é Borges, sendo um gênio modesto.

***

* Fico sabendo então que sou herdeiro de Stevenson, que não conheço. Nesse tipo de herança, claro, o honesto é que a fortuna vá para os que fizeram antes.

***

Terminada essa leitura e me sentindo tão enriquecido, me dá uma tristeza por ter perdido tempo lendo "O leite derramado"... Mas, enfim...