sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Leite derramado, Chico Buarque de Holanda



Lá vamos nós de novo.

Bem, quando criei o "Entrenos" queria quer servisse única e exclusivamente para os meus treinos de espanhol e para a crítica de livros e filmes nesse idioma.

Entretanto, porém, contudo, faz-se necessário ampliar sua ambição (já que, em contrapartida, meu espanhol é mínimo): a partir de agora, esse espaço será também o lugar do treino da crítica em geral, seja para a literatura, ou o cinema, seja em português, seja em espanhol.

Comecemos.

***

Leite derramado

Chico Buarque
Companhia das Letras

Bem, eu sei que professores não deviam ter preconceitos, mas, assim como os seres humanos, eles também os têm. Foi justamente esse receio que me manteve longe dos livros de Jô Soares e de Chico Buarque – devem ter outros, mas não recordo. De alguma forma, achei que a luz que trazem de suas outras atividades acabaria interferindo na minha avaliação.

Uma vez fizeram uma piada dizendo que estavam fazendo uma tese de mestrado sobre um bilhete que o compositor de “Construção” deixara a sua empregada. Graças a deus, era só uma piada. Então, não quis entrar nessa corrente fácil. Esperei passar o alvoroço.

O livro recebeu o prêmio Jabuti como livro do ano tanto na avaliação da crítica de editores quanto da opinião pública.

Confuso, pensei. E fiquei triste. Será que a nossa literatura (não vou ficar citando os medalhões mais óbvios) não produziu nada melhor do que Leite Derramado? Se for assim, temos um problema. Evidentemente, todos os prêmios podem ser questionados, mas, quando o questionamento é tão fácil, tão óbvio, parece diagnosticar um defeito na estrutura ética da estrutura – e, do micro para o macro, da literatura para a política nacional.

(Não resisto: esse prêmio foi entregue a Fausto Wolff, em 1997, por À mão esquerda. Este sim, um livro..., digamos, um Livro.)

Não é possível que a literatura, que criou Machado de Assis, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, Drummond, tenha, no seu auge dentro de um ano, chegado à “Leite Derramado”. Não é possível que o prêmio máximo da música brasileira, que já, por diversas vezes foi entregue a compositores como Chico Buarque, Caetano Veloso, seja entregue a “senta! , senta! , senta! , senta!”. Não é possível! Mas, pior, é sim... e qualquer esperança de correção parece uma fé na melhora do país. Parece infantil, romântica...

Sim. É possível que eu não tenha visto as qualidades deste livro e que as futuras gerações mostrarão tudo o que a tolice “canônina” não conseguiu vislumbrar. Ainda assim, lá vai:

Esse livro não é nada, não diz nada e, tristemente, faz o óbvio: em quase 200 páginas de letras grandes, utiliza uma artimanha de controlar um truque: eu não tenho nada a dizer, mas te seguro por tantas páginas fazendo (mais uma vez) o óbvio: não acrescentando nada.

Fiquei anotando as frases (e as fases) mais interessantes do livro e percebi que era tolice de crianças: ora bolas, esperamos que qualquer pessoa com um “lastro” seja capaz de, em 200 páginas, dizer-nos algo bom (em frases – não quero magoar nenhuma fazedor de máximas, que, depois dos poemas de metáforas cansadas, é o mecanismo mais fácil dos escritores). Chico faz um texto pra cumprir tabela e qualquer um, que tenha visto filmes mais ou menos sérios, pode ficar triste.

Sim, eu sei. Há o mercado e o nome do maior compositor brasileiro, na minha opinião, filho de Sérgio Buarque de Holanda (eu sei, eu sei – e ele também sabe -, essa benção é também uma maldição), e qualquer coisa ligada a esse nome (e ao de Caetano, Gil e outros raros) será uma credencial suficiente, será o bastante para os recordes e os aplausos – basta ver os apadrinhamentos relâmpagos (e outros, nem tanto) de grandes nomes que se apequenam em seguida.

O texto é de uma simplicidade que, penso, qualquer pessoa com um mínimo de leitura, pode fazê-lo já e, sem o status do nome, vai minguar nas livrarias, aliás, como esse, já devem existir milhões (sem exagero).

Como distração, assim como alguns filmes básicos de moda, é claro que é válido. Digamos, você não tem nada mais pra fazer, seu marido é um homem ocupado, sua esposa teve uma reunião, você não tem tv a cabo, já leu a Veja, o O Globo, a Isto é. Já reviu os desenhos tolos do seu filho de 16 anos, bem, já bateu papo com amigos virtuais, então dá pra ler “Leite derramado”. Agora, entregar a este livro o nosso “pulitzer” (é o nosso pulitzer??)... Bem, aí, é demais. Ou demonstra a miséria em que o país afunda (e acredito que por aí seja justo), ou demonstra que somos bem mais mômicos que sérios e transformamos tudo em carnaval.

Que isso seja o fruto de pessoas que transformaram a miséria do povo numa festa (quiçá a salvação venha pela festa!) e a miséria em comércio (de saúde, de educação), tudo ruim, porém, tudo bem. Agora, imaginar que um dos maiores nomes da ancestralidade* desse país seja partícipe desse acordo é muito desencorajador.

Quando vejo a lista de patrocinadores dos livros e filmes medíocres que, em nome dessa arte, é produzida no país, e vejo os nomes envolvidos, tenho a sensação de que é hora de dizer aos alunos: “Virem-se. Eles não ligam pra vocês.”

Esse livro – retomando a ideia borgiana – é mais que uma astúcia. É uma maldade. Talvez uma covardia. E, pior, desacredita a esperança construída de que algo, ainda que falho, possa nos oferecer uma orientação e aspirar uma mínima redenção (pelo menos no campo da arte).

Máximo Lustosa

PS: Uma avaliação bem interessante e mais estruturada está disponível em

PS: A imagem foi tirada de http://armazemgerallivros.blogspot.com/2009/11/leite-derramado-chico-buarque.html