Bem, então, depois de ler a não história de Juan Carlos Onetti, li o meu terceiro García Márquez.
Antes de mais nada, vamos às desculpas para que os ofendidos não se ofendam.
Sim, a opinião de qualquer crítico vale tanto quanto a opinião de qualquer pessoa. Sim, é verdade, o crítico apaixonado fez profundas imersões e consegue distinguir as variações mínimas do humor dos narradores de um texto (e estou falando do escritor) e o transeunte, não. Pior para o crítico. De tal modo acredito nisso que acho que opinião de crítico (?) deveria sair numa sessão destinada a críticos e afins e que deveríamos dar mais valor à opinião do público que não passou pela confusa paramentalização intelectual.
Sim, eu já sei da riquíssima discussão entre os apreciadores dos ourives das letras e dos contadores de história. Cada um tem, evidentemente, a sua razão e os homens racionais e civilizados, quando perguntados, conseguem diminuir com tal efusão de adjetivos àqueles dos quais não gostam (muito) que parecem, na verdade, adorá-los. O medo do equívoco leva-os a uma variação da infidelidade ou da própria crítica. Vivemos a geração deslumbrada, ou a geração cortês.
Não é, claro, o meu caso. Acho que a literatura é, antes de mais nada, o espaço para a “contação” de história. Se você gosta da parte gráfica da palavra, entregue-se ao desenho, à pintura, à propaganda... sei lá. Depois coloque em telas e exponha-as como se fossem "monalisas". A literatura vive da estória – como ensinou Guimarães Rosa (por favor, eu sei que o autor de “Grande sertão: veredas” foi um dos melhores estilistas da palavra, mas observem que suas histórias estão igualmente em evidência). Quem quer transformar a história num enfeite da palavra confundiu os universos (e tem todo o direito de fazer esta confusão intelectual e conscientemente – rs).
Postos estes postulados, vejamos esse livrinho (em tamanho) do autor de “Cem anos de solidão”, que pode ser devorado em duas horinhas e que, no entanto, é tão simpático e satisfatório.
Como todo bom escritor, esse colombiano faz o favor de não satisfazer o leitor cheio de senso de moral, de justiça. O protagonista morre de forma grosseira, os assassinos são igualmente dignos de pena e a responsável pela tragédia parece que, terminada a estória (quando a história é boa, a gente, não paramentada da intelectualidade, fica sempre com a sensação que na parte 2, encontraremos as personagens tocando seus destinos e fazendo novas estórias) vai viver feliz – ou pelo menos, vai viver. Tal qual o nosso digníssimo Bentinho, do caso clássico de Machado, ficamos sem explicações.
A tragédia central da novela (eu tenho um problema com os gêneros, de repente é um romance) se desdobra de tal forma na vida dos outros que fiquei com a sensação de que García Márquez poderia ter escrito outro derramamento de estórias e personagens, como em “Cem anos...”.
Há naturalmente várias partes interessantes, como quando o bispo “visita” a “cidade”:
“Tinham encostado os doentes nas portas de suas casa para receber a medicina de Deus, e as mulheres saíam correndo dos quintais com perus e leitores e todo o tipo de coisas de comer, e da margem oposta chegavam canoas enfeitadas de flores. Mas depois que o bispo passou sem deixar sua pegada na terra...” 30.
Detalhe: o bispo, mandatário de deus parece odiar aquela cidadezinha pobre e feia. (Irônico, sarcástico...)
Bom encontrar o entrelaçamento de estórias (Borges, lá vou eu de novo, diria que todo escritor escreve sempre um e mesmo livro) através do pai de Bayardo San Román, personagem interessantíssimo, Petrônio San Román, que pôs em fuga o coronel Aureliano Buendía.
Aliás, essa é uma das virtudes de García Márquez: criar personagens interessantíssimas – todas, penso, valeriam uma história.
Belíssima descrição para o primeiro amor: “sua professora de lágrimas”. 86
“Comer sem medida foi sempre o seu único modo de chorar.” 102
Embora eu tenha algumas objeções, pois a creio um tanto patética, simpatizo também com “Daí-me um preconceito e moverei o mundo”.
Bem, se me alongar mais, farei com queessas considerações fiquem mais longas do que o livro. Sim, há muito mais pra se dizer e pensar (o narrador... a honra... o título...) mas... Enfim...
Embora, eu prefira o estilo mais clássico da formatação dos textos (com mais vírgulas, mais parágrafos etc, a la Machado de Assis e não a la Saramago), fechemos com uma página interessantíssima, que fala dos irmãos homicidas:
“Tinham a reputação de gente boa tão bem fundada que ninguém lhes deu importância. “Pensamos que era só papo de bêbado”, declararam vários açougueiros, a mesma coisa que Victória Guzmán e tantas outras pessoas que os viram depois. Um dia eu havia de perguntar aos açougueiros se o ofício de magarefe não revelava uma alma predisposta a matar um ser humano. Protestaram: “Quando a gente sacrifica um animal não se atreve a olhá-lo nos olhos.” Um deles me disse que não podia comer a carne do animal que degolava. Outro me disse que não seria capaz de sacrificar uma vaca que tivesse conhecido antes, e muito menos se houvesse tomado seu leite. Lembrei-lhe eu os irmãos Vicário sacrificavam os mesmos porcos que criavam, tão familiares que os distinguiam por seus nomes. “É verdade”, retrucou um. “Agora repare que não punham nome de gente neles, mas de flores.” 70
Uma rápida e interessante forma de tentar traçar o perfil psicológico.
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Escrever sua obra-prima e continuar vivendo por muitos e muitos anos, deve ser uma tragédia para um escritor.
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O objetivo desse espaço é o treino da escrita em língua espanhola, entretanto, o livro que acabo de ler está, infelizmente, traduzido. Bom para todos, pior para o objetivo. O tradutor é Remy Gorga, filho.
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Como o espaço é meu, vejo-o bastante desarrumado (como a minha casa). Coisa que não me agrada. Mas, tenho a desculpa do tempo e do dinheiro.
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Foto retirada de http://www.literatsi.com/resenha/livro/cronica-de-uma-morte-anunciada/